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A Mestre Chatbot — Parte 2: Pra entender os porquês

11 de December, 2020

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Nota do autor: se você perdeu a Parte 1, clique aqui

A madrugada de Carol, Tita e Rocha estava agitada. Fazendo um trabalho para a escola, eles acabaram acionando uma chatbot peculiar, chamada Vanda, que disse que eles tinham que pensar e agir diferente pra construir novos futuros. Tinham que desenvolver novas competências.

Já eram quase três da manhã quando ela delicadamente mencionou que eles estavam perdendo tempo tentando ter ideias antes de identificar o problema das pessoas.

— Pra começar, vocês precisam entender que a ideia deve ser uma resposta a uma necessidade ou a um problema, algo que não esteja bom pras pessoas. Antes de tudo, vocês precisam saber o que elas estão sentindo, do que elas reclamam. Por isso, vamos falar de duas competências essenciais nesta primeira etapa do trabalho.

Vanda começou a escrever no ar, e as letras apareciam brilhantes nas telas dos três amigos:

CURIOSIDADE

— Anotem em seus caderninhos isso que vou dizer, meus amores: “porque sim não é resposta”. — Vanda falou pausadamente para reforçar o ponto. — Parece bobo, mas não é. Porque pra vocês descobrirem o que as pessoas precisam, vocês precisam pesquisar. E tem muita gente preguiçosa que para na primeira resposta, tipo pergunta como a pessoa está se sentindo não podendo sair de casa por causa da pandemia, a pessoa responde que está se sentindo cansada e a preguiçosa só anota isso e vai falar com outra pessoa.

— Mas pode ser só isso mesmo, ela está cansada e tal — Rocha comentou.

— Mas por que ela está reclamando que está cansada? — Vanda seguiu. — O que está acontecendo com ela por causa do cansaço? O que mais ela está sentindo e por quê? Ah, tem milhões de outras perguntas pra fazer! Vocês precisam entender por que as pessoas estão fazendo ou dizendo o que estão fazendo e dizendo. Os motivos verdadeiros podem não ser visíveis logo de cara. Vocês se lembram de quando eram menores? Melhor, pense na tua irmãzinha, Carol, o que ela pergunta o tempo todo?

— Essa é fácil, ela vive perguntando por quê. Pra tudo — e só depois de responder é que Carol se surpreendeu que Vanda sabia que ela tinha uma irmã.

— Exato. E mesmo quando fica irritantemente difícil de responder, ela continua perguntando, né? Vocês já foram assim, queridos. E, fica a dica, precisam continuar sendo. Querer saber por que as coisas são como são, ou por que algo acontece, é a atitude de quem é curioso. E a pandemia trouxe novas necessidades, novos problemas. Não dá pra olhar pras coisas e pras pessoas com o olhar de antes da pandemia. A curiosidade é essencial e vocês precisam praticar isso sempre.

— Tá… curiosidade… fazer perguntas… — Rocha ia rabiscando numa folha de papel.

— Só que vocês precisam prestar atenção em umas coisinhas. Vamos jogar um joguinho rápido aqui pra eu explicar isso. O tema do jogo é um dos meus assuntos preferidos: eu! Funciona assim: eu faço uma pergunta sobre minha adorável pessoa e vocês respondem. Pra começar: qual é meu tipo de música preferido?

Os três ficaram alguns segundos olhando pra tela de um, pra tela do outro, sem ter a menor ideia do que responder. Então Rocha arriscou dizer que Vanda gostava de rock, Tita disse que ela gostava de pop, e Carol, que tinha visto Vanda em pose de meditação, disse que com certeza ela preferia música zen eletrônica.

Vanda não respondeu, e emendou uma segunda pergunta: — E qual meu tipo de comida favorito?

Carol foi a primeira desta vez, e disse que era comida japonesa. Rocha concordou com Carol, e Tita disse que achava que ela era vegana.

Novamente Vanda não respondeu. O que ela queria saber, porém, era como cada um deles tinha chegado a estas respostas. Após o “sei lá” do Rocha, Carol arriscou uma resposta mais elaborada:

— Acho que a gente assumiu que você devia gostar destas coisas. Pela tua imagem, o jeito que você fala com a gente…

— Pois é, vocês assumiram. Essa é a primeira coisa pra prestar atenção. Pra entender isso vocês precisam saber uns detalhes sobre essa massa cinzenta dentro da cabeça de vocês. Primeiro, tudo que vocês aprendem vocês vão armazenando aí nestas lindas cabecinhas. Todas as informações, sobre tudo que vocês viram, leram e experimentaram, desde que nasceram, vocês vão guardando e organizando aí dentro, tipo um Google Drive com milhões de pastas.

— Já ouvi esta metáfora num canal de ciência do YouTube — Carol interrompeu. — É bem fácil imaginar assim mesmo. O negócio é que a gente organiza e reorganiza estas pastas o tempo todo.

— Exato, Carol — Vanda continuou. — E aí eu apareço e peço pra vocês responderem o que vocês sabem sobre mim. Só que não tem em lugar nenhum destas cabecinhas uma pasta chamada “Vanda”! Óbvio, né, há quanto tempo a gente se conhece? Mas e aí? Pânico? Não, porque felizmente vocês acham uma outra pasta chamada “Pessoas como a Vanda”. É uma pasta com informações que vocês juntaram, ao longo da vida, sobre pessoas parecidas comigo. Que falam de um jeito parecido com o meu, que se vestem como eu, que se parecem fisicamente comigo. E vocês usam estas informações para assumir coisas a meu respeito. E qual o problema disso?

Vanda esperou a reação de um dos três. Depois de alguns segundos intermináveis, como ninguém parecia saber o que dizer, Vanda resolveu responder ela mesma:

— O problema é que nenhuma das pessoas que se parece comigo é esta fantástica pessoa aqui! Por isto, pra saberem o que as pessoas pensam, sentem, do que elas reclamam, vocês não podem assumir que sabem as respostas só porque elas se parecem com outras pessoas que vocês conhecem ou conheceram. Claro até aqui?

— Sim, senhora — Rocha não escondeu a ironia.

— Senhorita, fofo. E a segunda coisa pra prestar atenção está ligada à monstruosa capacidade de processamento de informações do cérebro de vocês. Tudo que vocês veem, sentem, tudo é processado. Mas seria loucura ficar ligado em tudo, o tempo todo. Imaginem vocês escovando os dentes e prestando atenção na maciez das cerdas, na inclinação da escova, no ângulo do braço com a escova na boca, na água que sai da torneira, e ela está indo direto pro ralo ou se acumulando na pia?, e na janela aberta e o raio de sol que entra e ilumina a parede, e o ladrilho da parede trincado de tanto a maçaneta da porta bater nele, e o tapete no chão, molhado sob os pés descalços, e ainda precisam cuspir a pasta.

— Ahhhhh, chega! Onde você quer chegar com isso? — Tita não se aguentou.

— Exato, é muita coisa ao mesmo tempo, né? — Vanda continuou. — E aí entra em ação uma coisa chamada atenção seletiva. Isso, Rocha, anote aí na sua folha. O cérebro de vocês seleciona o que é mais importante e ignora o resto. Tá tudo sendo processado aí dentro, mas vocês filtram e escolhem o que querem enxergar.

Tita ainda não estava satisfeita: — E o que isso tem a ver com curiosidade?

Vanda seguia calma e inalterada. Parecia absolutamente confortável com adolescentes questionadores.

— Vocês já repararam que quando algum assunto interessa a vocês, de repente esse assunto aparece em tudo quanto é lugar? Tipo vocês resolvem se tornar vegetarianos e de repente notam que tem vários restaurantes de comida vegetariana perto de vocês?

— Isso tem explicação, são os algoritmos agindo — Rocha disse.

— Não são só eles — Vanda prosseguiu. — Os algoritmos potencializam os interesses, mas garanto que os restaurantes vegetarianos já estavam lá, vocês que nunca tinham reparado porque não estavam ligados em comida vegetariana. Vocês só começaram a ver quando o filtro de atenção se abriu pra este assunto. A questão é que se vocês não forem curiosos não vão abrir os seus filtros de atenção. Vou desenhar aqui pra ajudar vocês.

E então Vanda fez aparecer a imagem de um típico coador de suco que os três poderiam ter na cozinha de suas casas.

— Meus fofos, apresento a vocês o Senhor Filtro. Claro, um coador. E qual o papel deste coador? Filtrar os caroços da laranja quando vocês fazem um suco, por exemplo. E como ele faz isso? Com estes buraquinhos aqui, bem apertadinhos — Vanda apontou com o indicador bem no centro da rede do coador. — O que acontece quando os buraquinhos se alargam? — e os buracos da rede do coador magicamente aumentaram de tamanho — Passa mais coisa pelo coador, como o bagaço da laranja, e, hum, eu amo suco com bagaço! Este é o mesmo princípio dos filtros de atenção. E vocês abrem seus filtros quando se expõem a diferentes estímulos, quando buscam aprender coisas novas, quando se forçam a ver as coisas de outras maneiras. Quando agem com curiosidade. Sem isso, correm o risco de não enxergar nada diferente. E nem vão enxergar os problemas das pessoas pra este trabalho.

Vanda fez o coador desaparecer e materializou uma lousa verde, daquelas com moldura de madeira. Com um giz em sua mão, ela voltou a falar:

— Vou resumir aqui pra vocês não esquecerem, e isso é pra vocês anotarem bonitinho nos seus cadernos, meus queridos, porque curiosidade é importantíssima. Primeiro, porque sim não é resposta. Segundo, não assumam que vocês sabem as respostas. E, terceiro, lembrem que vocês estão filtrando o que estão vendo.

Vanda escreveu na lousa os três pontos enquanto falava e, em seguida, limpou os dedos com um lenço umedecido, comentando furiosa para si mesma que sempre se esquecia que o giz deixava suas mãos ressecadas. Depois que se recompôs, Vanda continuou:

— Muito bem. E já que falamos sobre prestar atenção aos filtros e sobre não assumir informações sobre os outros, vamos falar da outra competência essencial nesta primeira etapa do trabalho.

Vanda escreveu no ar novamente, e as letras brilhantes apareceram nas telas dos três amigos:

“Empatia”

(Continua semana que vem, na Parte 3 de 6)

Gian Taralli é escritor, consultor e professor de empreendedorismo, criatividade e inovação. Autor do livro de mistério infanto-juvenil “A Menina em Pedaços” (à venda aqui). Co-fundador da Jornada DARE, EdTech que desenvolve competências empreendedoras para jovens e acelera projetos por meio de cursos, mentorias, oficinas e eventos interativos e colaborativos. Saiba mais em jornadadare.com.br
 

 

 

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